Tristan Aronovich, 34 começou sua vida na arte muito cedo ainda criança na TV cultura. Teve uma formação proeminentemente culta na música e na literatura muito incentivada por seus familiares, sobretudo sua mãe, Raquel Aronovich. Tristan, obcecado pela perfeição desde menino, não tardou com apenas 16 anos a já ser reconhecido como um dos maiores performers de música clássica no violão do Brasil. Vencedor de todos os prêmios desponíveis para um músico no Brasil, tentou alçar voos maiores participando de dois dos maiores concursos de música clássica do mundo (GFA – USA), (Simone Salmaso, ITA). Mesmo extremamente jovem e disputando com músicos e maestros com anos de experiência, ele conseguiu ficar em segudo colocado nos dois. O que para todos foi um feito extraordinário de um prodígio para ele foi talvez a primeira grande decepção de sua vida. E isto mudaria o rumo de sua vida para sempre, talvez dando de presente ao mundo não só um músico brilhante, mas também um ator e um cineasta de capacidade ímpar.

Tristan, quais foram seus maiores exemplos na infância e o que dividia sua atenção na sua adolescência? Sei que você lia muito, sobretudo livros bem sofisticados desde cedo, e concomitante a isso, seu gosto pela música clássica. Da onde veio esse ímpeto super sofisticado pelas artes maiores? 

T – Meu maior exemplo foi a minha mãe, a Raquel. Ela é uma grande apreciadora das artes. Da boa literatura, ela ama a grande musica, a atuação, dança, teatro, minha mãe me expôs muito cedo ao ballet e ao circo. Lembro quando eu era criança por um período minha mãe me levou todos os dias ao circo de Moscou e eu fiquei completamente encantado, depois, fomos a Joinville e lá fui assistir a um festival de dança e fiquei completamente deslumbrado com o Ballet. Logo depois com uns 5 ou 6 anos minha mãe me colocou para fazer aulas de violino e piano e ao mesmo tempo trabalhando como ator na TV cultura. E além disso, minha mãe criou todos os filhos sozinha, mas ela chegava tarde em casa, cansada do trabalho e mesmo assim se deitava e lia livros, por mais cansada que tivesse ela tinha o hábito de ler muito. E isso teve um grande impácto na minha vida. Ela sempre me deu também muitos livros de presente. E claro que isso muito tem a ver com a minha avó, a Eugenia Aronovich, a primeira Russa da minha vida antes do Stanislavsky, que tem uma tragetória de vida emocionante, ela é pianista e mesmo hoje com 94 anos, acabou de lançar seu oitavo album de música. Muita gente da minha família foi ligado as artes. Meu tio muito querido foi cantor de ópera, fazia sapateado. Meu pai tocava violão e cantava, tenho um tio que é professor de atuação, muito incrível também.

Além disso eramos de uma família muito simples. Como falei minha mãe trabalhava o dia inteiro para nos sustentar sozinha em são paulo, e eu não tinha muitos brinquedos. Então minha maior diversão era ler e escrever histórias. Escrevi meu primeiro livro com 7 anos, e hoje trabalhando com cinema vejo que eles já eram bem sofisticados, verdadeiros roteiros e storyboards. E aí é isso, acho que com uma formação dessa não tinha como ser uma pessoa diferente. Músico, ator, cineasta, escritor.. não tinha muito pra onde fugir.

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Tristan Aronovich em performance solo.

Como foi a preparação para disputar os dois concursos de música do exterior e o que acha que faltou em você como músico para de fato vencer estes concursos?

Muita disciplina dedicação, pouco descanso, muitas e muitas horas de estudo. Não é nenhum mistério a preparação para um concurso dificílimo desse. Mas a parte mais interessante da sua pergunta é o que faltou para que eu vencesse os concursos. Hoje depois desse grande intervalo quase 10 anos… posso avaliar com mais maturidade e vejo que não faltou nada, mas sim, sobrou muita coisa que não pode sobrar num concurso desses. Um grande músico Carlos Barbosa Lima, depois q eu toquei no GFA, ele veio pra mim e falou “ Você precisa de mais sutileza para tocar em concursos” isso me parececeu estranho na época. Outro grande professor Douglas James, um grande maestro, virou pra mim e disse “Tristan você precisa escolher ou você toca pro seu publico, ou para jurados de concurso”. E isso me fez cair uma ficha. Eu sempre tinha tocado para mim e a para a platéia, por isso eu colocava tanta emoção e cores, mas para os jurados você precisa ser mais comportado, mais frio. Ser menos controverso. Eles não querem premiar um músico controverso e polêmico.

No GFA todos eram muito comportados, e eu toquei e dancei ao mesmo tempo um choro no palco. E isso de fato não é algo que você faz para ganhar um concurso. Se você quer ganhar um concurso você precisa seguir as regras dele, e não gerar controvérsia em cima dele.

Como você foi parar no cinema, e sua volta ao mundo da atuação? 

O que aconteceu é que tudo foi sempre simultaneo, mas por um tempo eu dei mais atenção a música, mas sempre tive envolvido com atuação e cinema também. Mesmo na CALARTS (Instituto de artes da Califórnia) eu preparava para os concursos enquanto era professor assistente de roteiro. Ou seja, as coisas sempre aconteciam em paralelo. O que aconteceu que depois de um tempo intenso de concursos, meu coração ficou entristecido, era muito triste priorizar uma arte e deixar outras de lado. E o cinema e a atuação sempre me preencheram muito e não me fazia bem deixa-los de lado. E com essa intensidade toda de concursos eu estava muito vazio entre os meus 18 e 21 anos. Então eu precisei voltar para o palco e para as câmaras, Voltei com tudo! Ai nunca mais deixei isso de lado, e acabei invertendo a balança, hoje eu priorizo o cinema e a atuação, mas sem deixar a música de lado.

Nesse período da faculdade você chegou a morar numa vã, como foi essa experiência? 

O periodo de morar numa Caminhonete, foi mágico e maravilhoso. Foi um grande momento de aventura e desapego. Foi bom pra perceber o quão pouco é necessário para ser feliz. Tudo que eu tinha na minha vida cabia na Caminhonete. E eu dirigia pra cima e pra baixo pelos estados unidos todo. Essa experiência me engradeceu muito como artista. Foi um período muito feliz e divertido que eu guardo com muito carinho

Como foi ter aula com seu grande ídolo o Miroslav Tadic? E como ele alterou sua vida? 

Foi uma experiência que alterou minha vida por completo. Ele não é só um músico professor. Ele é um artista. As aulas dele eram sobre arte, sobre inspiração, e não sobre técnicas de violão. Ele me questionava o tempo todo, me provocava o tempo todo. Grande parte do artista que eu sou hoje vem do Miroslav. Ele influenciou minha música, meu cinema, minha atuação, a minha vida.

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Bastidores do filme Black and White, na segunda foto respectivamente Tristan, Eric Sherman, Thiago Carvalho

O que você vivenciou então e como isso moldou sua vida como artista?

Qunando eu tinha 21 anos, eu estava muito apegado a parte técnica da arte. Eu tava muito mais técnico do que criativo. O Mirolsav uma vez me fez cair do cavalo. E ele me falou que isso o entediava. Que minha música entediava ele. E ele se negou a me dar aula enquanto eu não mudasse essa postura. Como falei ele não era apenas um professor, mas sim um filósofo das artes. Demorou muito tempo para ele me aceitar de volta como aluno.

Mas essa história teve um final feliz agora em 2014, como foi seu reencontro com o Miroslav?

O final feliz, foi algo que aconteceu em 2014. Fui convidado para tocar num evento em homenagem a ele, e eu toquei super nervoso. Fazia mais de 10 anos que ele não me via tocar. Mas depois da apresentação, ele subiu no palco e disse para todos que o sonho dele era tocar como eu estava tocando. Depois nos bastidores ele veio até mim e me presenteou com o seu violão. Não tenho nem como descrever essa sensação em uma resposta, é algo que não consigo traduzir em palavras…

Cena do filme “Sem Fio”

Cena do filme “Sem Fio”

Depois de sair dos Estados Unidos como foi a chegada ao Brasil? Você quis produzir um filme, de fato produziu um premiado filme chamado “Sem fio”. Como foi essa produção e os maiores desafios? 

Minha chegada ao Brasil foi tumultuada. Eu tive que redescobrir como as coisas funcionavam aqui. E só esse assunto renderia uma entrevista inteira. Mas nada melhor que tentar produzir um longa metragem (Sem fio) para saber como está a indústria local. Eu tive muita dificuldade para conseguir locações, apoio. Na verdade o Brasil é o país do desapoio as artes. Por isso que perdemos tantos artistas para países estrangeiros. O Sem Fio é um filme desafiador, e tudo que poderia acontecer para me fazer desistir dele, aconteceu. Mesmo antes dele estar pronto eu quase me decidi voltar para os Estados Unidos ou Europa pois não tinha como um artista ter as condições para criar num país onde tudo acontece para te desistimular. Mas ai eu quis comprar essa briga, muita gente confiava em mim e eu quis ficar aqui para terminar o filme, e foi um filme muito bem sucedido e reconhecido. Hoje eu não o faria, eu mudei muito como artista, mas à época era uma proposta que me interessava muito. E hoje é um filme que tenho muito orgulho de ter feito.

Você deu aula na USP no curso de cinema como foi essa experiência e porque você decidiu abrir seu próprio curso, não vinculado ao MEC para treinar atores e cineastas? 

Eu dei aula na USP de cinema e atuação. A experiência foi muito interessante, mas ao mesmo tempo foi um grande choque pra mim. E eu achava que as informações que eu trazia dos EUA não seriam novidade lá. Mas para minha surpresa ninguém sabia das coisas que eu trouxe dos estados unidos. O problema é que quando você da aula numa instituição do tamanho da USP você tem que seguir muitas normas e burocracias. E eu sabia como era a melhor forma de treinar atores e cineastas, mas eu não tinha a liberdade de faze-lo dentro da USP. Logo para poder ter liberdade total, eu decidi abrir meu próprio curso, este curso cresceu e existe até hoje que é o curso do Latin American Film Institute.

Qual o maior problema das faculdades de cinema e atuação no Brasil, sobretudo se comparado a sua experência nos EUA? 

Há muitos problemas, mas também há coisas positivas. Como você citou os problemas vou focar mais nisso.

A estrutura é um fator que pesa bastante, você mesmo já estudou um tempo nos estados unidos, Thiago, e sabe a grande diferença da estrutura. Os estúdios de gravação, equipamentos, teatros, e tudo mais. Aqui no Brasil a gente sempre esbarra na corrupção. Os professores são mal remunerados e assim não conseguem se reciclar. E não tem os equipamentos. E ai da-se uma receita para uma bela de uma tragédia. E outro fator é que uma série de técnicas não chegaram direito no Brasil. E assim temos lacunas artisticas, técnicas, pedagógicas, e a culpa não é do aluno. Falta um grande interesse das instituições de ensino de se atualizarem, falta humildade de abaixar a cabeça sabendo que existem muitas novidades e outras nem tanto que não foram adotadas no Brasil e isso cria essa imensa defasagem na formação dos artístas brasileiros.

Infelizmente a academia no Brasil não é muito humilde, a instituição acadêmica no Brasil tem muita soberba e arrogância e isso não é nada saudável para artistas que precisam sempre estar evoluindo, crescendo e se reciclando. Existe também um outro problema dos alunos que é uma característica do brasileiro. Desde coisas simples como pontualidade. Nos Estados Unidos se a aula é as 8:00, todos estão 15 minutos antes. No Brasil não existe muito respeito ao horário e ao tempo dos outros. Outra coisa, o Brasil é um país conservador e preconceituoso. É muito comum o artista brasileiro fazer declarações generalistas dizendo que cinema Americano ou cinema isso ou aquilo é ruim. Isso é preconceito. Existem filmes bons e ruins de qualquer estilo e nacionalidade, não podemos ter esse preconceito. Ele só nos leva a nos fechar para outras possibilidades de aprendizado.

Você imaginava que os LA Film seria o que é hoje? com tantas parcerias internacionais e tanto reconhecimento no Brasil e fora dele? Nos conte um pouco da história da escola e como você se sente a respeito dela. 

Eu poderia dar a resposta da falsa humildade sobre o LA FILM mas a grande verdade é que eu sempre tive em mente o que eu queria que o LA FILM fosse. Se não, eu nem teria começado essa batalha. Eu sempre quis que essa instituição fosse de cabeça aberta, de alma aberta, moderna, inovadora, para ajudar na transformação do cinema e da atuação no Brasil. Eu sabia que seria uma batalha forte, árdua, mas era essa minha meta desde o início. Faz uma década que eu trabalho pro LA FILM, sem final de semana ou férias. Tudo para criar o que se vê hoje: uma instituição de peso, com parcerias internacionais de primeira categoria, premiada, nós trouxemos para o Brasil técnicas que nenhum país da américa latina possui. E hoje em dia viramos até referência para instituições internacionais de ensino. Veja, acabei de sair de uma faculdade com a melhor formação de atores no planeta onde o Andrei Malaev Babel da aula, e conversando com ele vimos o quanto a LA FILM é mais arrojada que essa instituição. Você mesmo, Thiago, esteve na SCAD este ano, e viu que o LA FILM não deve em nada a essa grande universidade Americana, lógico que não temos todo o aparato monetário que ela tem, toda a estrutura, mas no ensino, na pedagogia e didática, no conteúdo não deixamos nada a desejar. Se eu imaginava que ia ser isso tudo? Imaginava sim. Eu sou um sonhador, e eu só comecei o LA Film num escritoriozinho dividido 10 anos atrás, pois estava alimentado por esse sonho. E te digo, ainda falta mais um pouco para o LA Film ser o que eu quero que ele seja. Para ajudar ainda mais artístas do Brasil e melhorar nosso cenário artístico, o Latin american film institute (instituto latino americano de cinema) vai crescer ainda mais.

Depois do Sem fio, veio o filme que abriu portas para você em vários lugares do mundo, por ter sido premiado em vários festivais pela delicadeza em que trata de um tema tão universal, como foi o processo do filme, sua preparação como ator, e depois ser reconhecido por tudo isso sobretudo fora do Brasil

Depois do sem fio veio o “Alguem Qualquer”, ele é completamente diferente. Um outro oposto. É um filho meu, uma cria minha, um filme feito com muito orgulho, muito amor, muita dedicação. Sem dúvida nenhuma, rendeu muitos frutos e continua rendendo. Foram muitos prêmios internacionais, festivais, agora esta passando na TV, é um filme que nos dá muito orgulho. Mas quando a gente vai fazer um filme a gente não pensa nos prêmios, festivais, dinheiro, nada disso. A gente pensa na história que a gente tem que contar, no quanto a gente acredita e ama ela. E foi isso que me guiou em todo o processo de preparação para o alguém qualquer. E eu acredito ser isso que deva guiar o processo artístico de cada um. A minha preparação como ator foi de estudo intensivo para a personagem. Note que eu disse estudo, não ensaio. No Brasil os atores confundem estudo com ensaio. Eu estudava a personagem de 4 a 6 horas por dia, cada mínimo detalhe, cada tique, mania, trejeito, tragetória, tudo. E só depois de quase 6 meses fazendo isso, que começaram os ensaios. E os ensaios foram guiados pelo método que ensinamos no LA FILM, que calha de ser o método mais utilizado e difundido no mundo, o sistema Stanislavsky para atores e diretores em associado com as técnicas Adler, Chekhov, Meisner e algumas outras. Quando se coloca tanto empenho, amor e dedicação em algo embasado em técnicas que te dão suporte para a criação e a inspiração ilimitada, sucesso é a única possibilidade.

A que você atribui seus filmes terem mais receptividade fora do Brasil do que dentro dele? Por que hoje em dia você prefere primeiro lançar o filme em festivais de fora para depois manda-los para os festivais e o mercado Brasileiro? 

Olhe eu ja citei isso numa pergunta anterior, a questao cultural do brasileiro, e vou tocar mais uma vez nesse assunto delicado, o conservadorismo e o preconceito no Brasil. Uma vez que um filme é consagrado fora do Brasil, ou uma vez que um artista é consagrado fora do Brasil, o povo brasileiro, o publico brasileiro automaticamente adora o artista, e eu fui por anos e anos e anos batalhando por dentro do Brasil, e o meu reconhecimento não vinha, uma vez que eu fiz o “Alguem Qualquer” e decidi fazer ele primeiro trilhar lá fora os festivais, assim que ele foi premiado num festival fora do Brasil o reconhecimento no Brasil começou a aparecer, e claro que isso foi muito irônico né? Tem um lado lindo e um lado muito triste, por que os outros filmes que eu fiz(no Brasil), batalhando ai mesmo não tinham esse reconhecimento e de repente esse filme sendo reconhecido fora nos abre tantas portas no Brasil. No Brasil a gente ta muito acostumado a ver os mesmo atores, as mesmas carinhas, os mesmo diretores, a mesma estetica em todos os nossos filmes, qualquer filme que fuja um pouco desse padrão estético e artístico do cinema brasileiro, vai enfrentar uma resistência maior. Como eu faço filmes fora desse padrão eu sei que eles vão enfrentar uma resistência dentro do Brasil, então muitas vezes eu prefiro fazer com que o filme ganhe vida fora do Brasil e chegue ao Brasil depois. Eu fico torcendo pra que algum dia esse cenário mude, por que esse cenario evidentemente não ajuda nenhum artista brasileiro.

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Mais desta mesma entrevista no próximo post! Fiquem ligados!

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