Engraçado imaginar que o continente americano tenha sido descoberto porque europeus estavam procurando uns temperinhos. Independente das verdadeiras razões para tal “descoberta”, enterradas por camadas inacessíveis de tempo e versões parciais da história, havia uma rede bastante complexa de comercio entre países asiáticos, africanos e europeus. Na verdade, existem evidencias (na forma de pinturas rupestres) que ilustram os desejos por essas deliciosas ervas e outras coisas mais desde por volta de 3000 a.C., e possivelmente desde tempos ainda mais pretéritos.

Seguramente, naquela época, tais especiarias e demais alimentos eram produzidos sem uso de agrotóxicos e fertilizantes na forma como conhecemos (e usamos) hoje. Desde 2500 a.C., se tem registros de tentativas de proteger a produção agrícola dos insetos e fungos. Uso do enxofre e do fogo, da sazonalidade e de predadores naturais na plantação foram empregados em diferentes momentos e em diferentes regiões do mundo. No século 19, produtores começaram a documentar suas experiências. Por volta de 1880, a primeira máquina de pulverizar agrotóxicos foi registrada. Hoje em dia, mais de 7,2 bilhões de pessoas precisam comer, e a maioria delas não faz questão da qualidade, por diversas e muitas vezes extremas razões.

Muitos de nós certamente compartilhamos semelhanças de nossos tempos de criança. A lembrança que tenho da roça me deixa claro que as lagartas fazem parte dos pés de limão e laranja. Tomate é difícil conseguir colher (tem daqueles pequenininhos, todos manchadinhos, que são uma delícia). Lavar bem a alface, deixar de molho antes de comer. Tudo assim tem um sabor afrodisíaco. A vinte e cinco atrás, isso era comida da roça; chique era a “comida da cidade”. Hoje buscamos os orgânicos.

Nos Estados Unidos, alimentos orgânicos certificados tem uma conotação diferente do orgânico “da roça”, do natural. A lista de produtos “orgânicos” autorizados, sintéticos ou não, cujo uso na produção de orgânicos de origem vegetal ou animal é imensa. O USDA (United States Department of Agriculture) permite o uso de isopropanol, dióxido de cloro, alguns tipos de desinfetantes, sulfato de cobre, sabões, amônia, compostos de enxofre, ácido sulfuroso e nitrato de sódio (entre vários outros) para a produção de vegetais. No caso de criação de animais, estão entre a lista isopropanol (também), aspirina, butorfanol, e tantos mais. Sempre me perguntei por que os produtos orgânicos daqui brilham tanto quanto os que não são, como na foto acima.

A Engenheira Agrônoma Simone Miranda (texto abaixo) esclareceu com muita clareza que os produtos orgânicos brasileiros são autênticos. Segundo Simone, Pernambuco é o Estado brasileiro que mais possui feiras livres orgânicas. A iniciativa parte dos próprios produtores.

Lei 10.831 de 23 de dezembro de 2003 inclui a produção, o armazenamento, a rotulagem, o transporte, a certificação, a comercialização e a fiscalização dos produtos.

Em 27 de dezembro de 2007, o governo Brasileiro regulamentou através do Diário Oficial da União (DOU) os novos critérios para o funcionamento de todo o sistema de produção orgânica, desde a propriedade rural até o ponto de venda. As regras estão expressas no Decreto nº 6323.

O decreto cria ainda o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica, sendo composto pelo Ministério da Agricultura, órgãos de fiscalização dos estados e organismos de avaliação da conformidade orgânica.

A legislação vigente prevê a certificação por auditoria e a certificação participativa. Em ambas, o produtor recebe o selo de produto orgânico do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A legislação reconhece, também, a venda direta ao consumidor de produtos orgânicos em feiras livres, nas quais a garantia do controle de qualidade e procedência do produto orgânico é de responsabilidade dos produtores organizados em Associações de Agricultores Familiares. Estes produtores devem se cadastrar (a associação e também cada produtor sócio) junto ao MAPA, como uma OCS (Organização de Controle Social). No momento de seu cadastro, a Associação deverá apresentar um plano de controle de qualidade orgânica de sua produção, ficando assim registrada como produtora orgânica, ainda que não receba o selo de produto orgânico do MAPA. A venda destes produtos é feita em feiras livres de produtos orgânicos. Pernambuco é o estado no Brasil que mais tem estas feiras livres.

Fonte: http://ciorganicos.com.br/organicos/legislacao/

No Recife, a produção “urbana” de alimentos também é comercializada nas feiras de produtos orgânicos. Alguns produtores entregam na sua casa, segundo Simone.

Existem em Recife atualmente iniciativas particulares de implantação de hortas urbanas comunitárias. A mais conhecida fica em Casa Amarela, bairro da zona norte da cidade, realizada por iniciativa da comunidade local. Outras ações estão sendo implementadas, mesmo com escassez de recursos. Em processo de implantação: Peixinhos (região metropolitana de Recife) e Aldeia (Camaragibe). O carro chefe é a produção de hortaliças.

Há um movimento muito forte e já consolidado de feirinhas de produtos orgânicos (Pernambuco é o estado no Brasil que mais tem estas feiras livres), onde os produtores realizam a venda direta ao consumidor e atestam pela qualidade orgânica dos produtos. Alguns agricultores também oferecem visitas as suas propriedades para que os consumidores possam conhecer as áreas de produção e os processos. Também há por aqui, entrega (delivery) de produtos orgânicos certificados.

Simone também fala sobre permacultura, uma técnica de produção sustentável bastante antiga, apesar de parecer nova.

A permacultura é um modelo de agricultura alternativo aos modelos convencionais, através de sistemas de policultivo. A produção de alimentos se sustenta na diversidade. Existem outros modelos de agricultura alternativa, tais como, sistemas agroflorestais, agricultura biológica, agricultura natural, agricultura biodinâmica, agricultura orgânica, entre outros. Todos estes modelos têm como base princípios agroecológicos. Busca-se, na agrobiodiversidade, no equilíbrio nutricional das plantas cultivadas, no manejo do solo através de adubação orgânica e na baixa ou nenhuma entrada de insumos externos (como é o caso da agrofloresta) no sistema produtivo, obter sistemas mais sustentáveis de produção de alimentos. Em Pernambuco os sistemas agroflorestais são bastante disseminados desde a zona da mata até o semiárido, onde a diversidade do sistema permite aos produtores, que têm seus sistemas produtivos de base agroecológica, serem mais resilientes às mudanças climáticas e/ou aos períodos de estiagem prolongada no semiárido, por exemplo.

Comer bem é um dos sinônimos de felicidade. A interpretação disso está totalmente relacionada a nossa saúde orgânica, e mental. E existencial.

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